Livro | Feita por elas, narrada por elas

Livro | Feita por elas, narrada por elas

Por Ana Paula Santana e Erika Andreassy

 

No próximo dia 11 de agosto, será lançado o livro que conta a história da combativa greve de mulheres operárias, terceirizadas da LG, que aconteceu no ano de 2021, em meio à pandemia de covid-19. Quando a LG Eletronics anunciou a decisão de fechar sua divisão fabril de smartphones, a resposta das 430 trabalhadoras terceirizadas foi a mobilização organizada.

No Brasil, a LG possuía, até então, duas fábricas. Uma em Manaus, que naquele momento produzia aparelhos de ar-condicionado, geladeiras e eletrodomésticos da chamada linha branca, e outra em Taubaté (SP), com a produção de smartphones, monitores e notebooks. Os smartphones eram montados em três fábricas terceirizadas, Blue Tech, Sun Tech e 3C, localizadas em São José dos Campos e Caçapava (SP).

A mobilização das trabalhadoras teve início no primeiro raiar do sol do dia 5 de abril de 2021, data em que a LG Electronics anunciou a interrupção da fabricação de celulares. As trabalhadoras das fábricas terceirizadas foram vanguarda na luta em defesa dos empregos, contra o calote, por direitos e valorização. Fizeram jus ao ditado: “onde há mais opressão, maior a resistência”.  Iniciaram uma greve que durou 32 dias. A paralisação foi atravessada por uma emergência de saúde pública, com o país vivendo o momento mais letal da pandemia de covid-19, desde o seu início.

A pandemia alcançou o Brasil num momento de plena precarização das condições de trabalho. Precarização paulatina e ao longo de décadas, que gerou mais de 33 milhões de trabalhadores subempregados e 45 milhões de trabalhadores sem emprego, como evidenciado no Anuário Estatístico do ILAESE (2021). O país se tornou um lugar de empregos de baixa qualidade, de trabalhadores informais, sem carteira de trabalho e sem direitos, da terceirização, da pejotização, da uberização. No cenário mundial, a crise econômica foi potencializada pela disseminação do vírus da covid. Uma crise econômica instalada desde os anos 2000, que efetivamente não se fechara, arrastando-se em meio ao capitalismo decadente, deixando atrás de si um rastro de miséria e fome sem precedentes.

Essa situação, de disputa e crise, fez grupos econômicos movimentarem-se à procura de novos investimentos, mais rentáveis. Foi a decisão tomada pela LG Electronics. Apesar do momento letal da pandemia, que arruinava vidas, especialmente da população global mais pobre, a empresa e suas terceirizadas decidiram fechar as portas e demitir centenas de trabalhadoras no Brasil.

Cabe ressaltar que abril de 2021 contabilizou o maior número de casos e mortes pela covid, desde que o vírus desembarcou no Brasil, em fevereiro de 2020. Neste mês, o país registrou 82.266 mortes, uma média de 2.700 óbitos diários. O dia mais macabro foi 7 de abril, um dia depois de iniciada a greve das terceirizadas, quando o país bateu o recorde de 4.249 vidas perdidas. Naquele momento, pensávamos não ser possível assistir a uma tragédia maior.

As lideranças majoritárias do movimento sindical optaram por não mover as massas, apesar da aglomeração para manutenção da produção capitalista. Vários serviços foram considerados essenciais. Em fábricas que aglutinam mais de três mil pessoas a ganância patronal expunha a vida dos operários e das operárias ao risco, em nome de manter seus  altos lucros. Acumular e acumular, essa é a única lei que o capital reconhece.

É importante ressaltar que a história da greve se entrelaça com muitas questões. Uma delas tem a ver com os poderes de decisões fora da cidade, do estado e do país. Esses poderes que decidem o fazem em função de qual objetivo? Em geral, tais “poderes” manifestam-se para nós como algo inexplicável, surgem não se sabe de onde e tomam decisões aparentemente irracionais, como, por exemplo, a de fechar uma fábrica lucrativa, que produz uma mercadoria cuja demanda no país é alta. Parte de nosso objetivo no livro foi buscar desvendar quem são esses poderes e por que tomam essas decisões. Outra é de ordem interna: dentro do país, quais contradições enfrenta a produção da mercadoria na qual estas operárias estão envolvidas? Nestas duas questões cruzam-se elementos como o poder dos acionistas estrangeiros da empresa e o poder do Estado brasileiro – entendendo o mesmo como nacional, estadual e local.

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Outro aspecto que levantamos tem a ver com uma abordagem mais sociológica, de como a classe operária é formada. A composição essencialmente feminina destas fábricas em luta abre importantes debates: primeiro sobre a diversidade da classe operária – cujo o elemento que a distingue enquanto classe produtora é o de ser separada dos meios de produção e obrigada a dispor da única coisa que lhe restou para seguir sobrevivendo, sua força de trabalho, e, portanto, submetida à exploração da classe dos proprietários –, formada por homens, mulheres, por negros e não negros, por LGBTIs, por trabalhadores de diferentes idades, por imigrantes; segundo sobre as especificidades dos setores que a compõem; e terceiro sobre todas as consequências que isso acarreta para esses grupos, como a violência (machista, LGBTIfóbica, racista), a desigualdade de direitos, a superexploração da força de trabalho feminina, negra, etc., e, mais especificamente no caso das mulheres, a responsabilização quase que exclusiva pelas tarefas relacionadas à reprodução da força de trabalho (o cuidado da casa, dos filhos, do marido, dos idosos e doentes), ou seja, as várias formas de opressão que são fomentadas e reproduzidas pelo sistema capitalista. E isso tudo acaba nos levando a outras questões: por que o setor eletroeletrônico é composto essencialmente por mulheres? O que explica, não somente no setor da microeletrônica, a profunda diferença nos salários entre a força de trabalho masculina e feminina? Quais as dificuldades que enfrentam as trabalhadoras para entrar na luta pelos seus direitos? E como isso se conecta com a luta contra o machismo?

A terceirização e seus meandros nos pareceu também algo importante de se falar ao tratar da greve, seja por seu papel como mecanismo de superexploração e precarização das relações de trabalho, que se concretiza em rebaixamento salarial, perda de conquistas, aumento do índice de adoecimento, fragmentação da classe e enfraquecimento dos sindicatos e da luta sindical, ou porque o próprio processo de terceirização se apoia nas opressões (de gênero e geracional, de raça, de orientação sexual…).

Por meio dos relatos das operárias, pudemos ter um breve panorama do ambiente e do processo de trabalho nas fábricas terceirizadas – o ritmo intenso, a imposição de metas cada vez mais abusivas, a pressão por horas extras, o assédio como método de gestão, e como tudo impactava na saúde e segurança das trabalhadoras –, bem como da resistência por meio da atuação da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) e do Sindicato. Buscamos mostrar como a subcontratação/terceirização, não sendo uma prática nova, transformou-se em elemento crucial da reestruturação produtiva, do neoliberalismo e da globalização e, nesse contexto, como a LG Electronics se utilizou desse expediente para superexplorar a mão de obra feminina e jovem da região do Vale do Paraíba.

Nosso objetivo, portanto, foi contar a história da luta das metalúrgicas das montadoras (terceirizadas) da LG e das operárias da própria LG. Dito assim, o livro é senão o resultado do trabalho. Ao contar a história da greve, nossa pretensão foi construir o registro da mobilização, mas também ampliar os horizontes da “história da greve” e para onde se dirigem esses horizontes.

Nesse sentido, a pesquisa bibliográfica narrativa foi a ferramenta que utilizamos para trilhar este percurso. Foram realizadas dez entrevistas narrativas. Optamos por usar este procedimento pois entendemos que a greve e as experiências das trabalhadoras tinham muito a ensinar a nós e aos leitores. Por isso, nos abrimos ao desafio de emprestar nossas mãos para escrever uma história feita por elas e contada por elas, com perspectivas nossas e delas.

 

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